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Marcus Vinicius Damon

25 de março de 2020

12 Filmes para assistir pelo Netflix (e no que reparar)

Em tempos de quarentena e cuidado com o próximo, o {CURA} montou uma lista especial com dicas de filmes. Para facilitar o acesso, todos os títulos estão no catálogo do Netflix na data da postagem do artigo.

Essa primeira lista vai ser mais leve, sem profundas explicações e com recorte temporal a partir de 2000. Evidentemente, muitos filmes bons, e talvez os seus favoritos, fiquem de fora. A ideia é selecionar diversas opções, de diferentes categorias, facilitando a apreciação da maioria do público. Caso gostem, é só pedir que podemos montar outras listas!

Mesmo que você já tenha assistido aos filmes citados, o objetivo da seleção é ajudar no despertar do olhar para os outros pontos que compõem um bom filme, sendo ele considerado “cult” ou um “Blockbuster”. Repare na fotografia, nos movimentos de câmera, direção de arte, e não apenas o roteiro (futuramente, podemos montar um artigo explicando cada um desses temas separadamente).

Para esse artigo, é importante que se entenda a mise-en-scène, termo que se originou no teatro, e se refere a tudo que é colocado em cena: cenário, atores, maquiagem, figurino, iluminação e composição. Tudo que aparece em cena é selecionado cuidadosamente, com o objetivo de passar uma mensagem ao público.

Além da mise-en-scène, é importante notar o posicionamento e movimento de câmera, enquadramento, tipo de lente utilizada e edição.

A lista não pretende ser uma aula para cada um desses assuntos, mas sim, uma indicação para que, cada vez mais, você repare nesses detalhes em um filme.

Vamos lá:

_ CATEGORIAS: Drama, Romance e Comédia

A Chegada / Arrival (2016)

Drama (na medida certa) / Ficção Científica (que não te chama de idiota)
Direção: Denis Villeneuve
Fotografia: Bradford Young
Direção de Arte: Paul Hotte, André Valade e Patrice Vermette

Vários filmes de ficção científica questionam a nossa inteligência ao colocar cientistas tendo posturas bem contradizentes com a capacidade intelectual exigida pela sua formação. Essa é uma solução preguiçosa, utilizada para fazer o roteiro funcionar na marra (que aflição que dá assistir “Prometheus” ou “Alien: Covenant”). Felizmente, não é o caso de “A Chegada”.

O filme faz provocações filosóficas que te fazem pensar por dias. A trama é sofisticada e respeita inteligência do público. Repare como o filme é baseado no círculo, tanto fisicamente como simbolicamente (preste atenção no palíndromo do nome Hannah). O cenário cria simbolismos através do uso de janelas.

Com roteiro bem crível, os efeitos especiais combinados com a fotografia apresentam um resultado neutro o suficiente para que a história na tela seja passada de forma realista. Outro ponto que reforça essa naturalidade são as tomadas longas, com poucos cortes, fazendo o espectador entrar ainda mais na história.

No entanto, no momento certo (sem spoiler por aqui), o jogo de câmera traz provocações interessantes para o espectador. E nesse momento, duas atmosferas são criadas: uma do exterior e outra do interior (assistindo ao filme, você vai entender o que isso quer dizer).

No exterior, a fotografia é natural, neutra e leve, mas ainda assim informa através das sutilezas. No interior, os contrastes de luz, sombra e cor pontual evocam que aquele local é especial e o quanto é importante.

Outros filmes de Denis Villeneuve: O Homem Duplicado (2013), Os Suspeitos (2013).

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Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas / Big Fish (2003)

Drama / Romance / Comédia / Fantasia (na medida certa)
Direção: Tim Burton
Fotografia: Philippe Rousselot
Direção de Arte: Roy Barnes, Jean-Michel Ducourty, Robert Fechtman, Jack Johnson e Richard L. Johnson

Extremamente criativo, e para muitos emocionante, “Big Fish” conta a história do protagonista Edward Bloom (Albert Finney/Ewan McGregor), com cenas visualmente impressionantes.

Mais uma vez, a fotografia cria contrastes visuais, nesse caso, entre a narrativa da atmosfera do filho e do pai. Sem dar spoilers aqui, mas tente reparar como as cores (mais saturadas ou menos) e o brilho (mais natural ou com mais contraste e mais fantástico) se alteram dependendo do desenrolar da história. Repare como uma personagem em específico tem um brilho especial aos olhos do protagonista.

Tim Burton é famoso por sua linguagem mais sombria, estilizada em alguns momentos sob influência do expressionismo alemão (repare em alguns cenários desproporcionais e deformados, ou no uso de sombras projetadas na parede). Apesar dessa marca, o diretor sabe muito bem utilizar as cores. Nos momentos certos da história, que passa por situações de terror, comédia, romance e ação, a fotografia se adequa ao nosso repertório já estabelecido sobre o cinema.

Ao longo de todo filme, cenas são capturadas de forma simétrica, com a angulação da lente bem aberta (como no exemplo da imagem em destaque).

Dica: ouça a música dos créditos, é maravilhosa.

E um pequeno segredo: por muito anos, a fotografia desse filme junto de outros do Tim Burton, inspiraram as imagens de arquitetura produzidas por este que escreve o artigo.

Outros filmes do Tim Burton: Olhos Grandes (2014), Edward Mão de Tesoura (1990).

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Moonlight (2016)

Drama (com a força necessária)
Direção: Barry Jenkins
Fotografia: James Laxton
Direção de Arte: Hannah Beachler

A fotografia de “Moonlight” busca contar a história das comunidades negras americanas com uma luz diferente. Ao invés da linguagem naturalista, geralmente utilizada em filmes que retratam críticas sociais e raciais, a direção optou por uma imagem estilizada.

O alto contraste ressalta a intensidade do sol de Los Angeles. O azul se revela por toda a história a partir da luz, seja natural ou artificial.

Repare que a cor da fotografia muda durante a evolução dos atos e a relação do protagonista com o mundo: primeiro uma maior saturação de cor na grama e no céu, depois uma imagem mais lavada e pastel, e então, outra com tons quentes e acolhedores no momento preciso.

“In moonlight, black boys look blue” é uma frase importante dita por Juan (Mahershala Ali), mas para não dar spoiler, apenas se atente a ela.

O jogo de cores entre preto e azul são realmente importantes na história, principalmente quando se pensa em Hollywood, onde se predominam paletas cromáticas trabalhadas a partir do tom branco da pele dos atores.

Outros filmes do Barry Jenkins: Se a Rua Beale Falasse (2018).

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Roma (2018)

Drama (sensível, delicado e impactante)
Direção: Alfonso Cuarón
Fotografia: Alfonso Cuarón
Direção de Arte: Eugenio Caballero

Através da fotografia em preto e branco, que remete às memórias de infância do autor/diretor, também pode ser lida uma relação entre imagem e roteiro de uma história que aborda um alto contraste social. Inspirado no neo-realismo italiano, o filme é apresentado a partir do olhar de Cleo (Yalitza Aparicio), e debate pelo menos quatro camadas de discussão: social, cultural, política e íntima.

Alfonso Cuarón é conhecido pelos planos sequência de seus filmes (longas tomadas de cenas sem cortes aparentes). A técnica faz com que o espectador entre ainda mais na história, porque é criada a sensação de que tudo o que se passa na tela está no tempo real (para quem é fã da saga, preste atenção como ele conduziu a direção de “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, 2004).

É notável como a câmera fica parada em vários momentos do filme, fazendo sutis movimentos, pedindo para o espectador se atender ao que acontece em cena, muito diferente de filmes de ação que exageram nos cortes para acelerar o filme e ocultar socos no ar. Repare que o tipo de movimento da câmera varia de acordo com a condição social representada pelo cenário: hora mais amplos e longos, hora mais curtos e restritos.

O travelling (movimento horizontal de câmera) ressalta a continuidade dos planos mais agitados e eufóricos, mas também é simbólico quando varia o sentido do movimento: da esquerda para a direita (ricos) ou direita para a esquerda (pobres), variando apenas em momentos estratégicos.

Outros filmes do Alfonso Cuarón: Gravidade (2013), Filhos da Esperança (2006).

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Birdman (2014)

Comédia / Drama (provocativo como o subtítulo “A Inesperada Virtude da Ignorância”)
Direção: Alejandro G. Iñarritu
Fotografia: Emmanuel Lubezki
Direção de Arte: Kevin Thompson

A conexão entre a história emocionalmente complexa e a fotografia são extremamente fortes em “Birdman”. O filme inteiro não apresenta cortes visíveis, criando a sensação de ser um grande plano sequência. A sensação é de que estamos constantemente acompanhando os personagens e suas emoções em tempo real.

Repare como a transição de um ambiente para outro, assim como de um estado emocional para outro, são ressaltados pelas cores do cenário e das luzes.

Diferente das relações narrativas criadas em outros títulos citados na lista, que evidenciam através da fotografia o que é realidade ou fantasia, o filme deixa essa interpretação para o público.

Outros filmes de Alejandro G. Iñarritu: Biutiful (2010) e Babel (2006).

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Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças / Eternal Sunshine of the Spotless Mind (2004)

Romance (sem passar do ponto) / Ficção Científica (extremamente criativa)
Direção: Michel Gondry
Fotografia: Ellen Kuras
Direção de Arte: Dan Leigh e David Stein

Esse é filme da lista mais difícil de escrever sem dar spoilers, mesmo já sendo um filme de 2004, então o texto será contido.

A história é extremamente criativa e sofisticada. Para acompanhar sua complexidade e as emoções envolvidas em cada situação, a fotografia, direção de arte e efeitos especiais oferecem uma experiência visualmente realista, por mais absurda que pareça a situação vista em tela.

A paleta cromática é predominantemente sem saturação por representar o olhar de Joel (Jim Carrey) em relação ao mundo. Tudo parece sem graça na tela, até que acontece o primeiro contato visual dele com Clementine (Kate Winslet). Ela se revela como um ponto colorido em um horizonte banal e sem graça. Essa narrativa cromática se repete em outros momentos do filme, também em situações mais obvias com cores quentes para bons momentos e frias para ruins.

Repare como as cores do cabelo da Clementine ajudam a entender a sequência da história e as situações surreais da trama, que vão ficar para sempre na sua memória.

Outros filmes de Michel Gondry: Sonhando Acordado (2006)

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O Pequeno Nicolau / Le Petit Nicolas (2009)

Comédia (fófis, sobre a infância sem ser infantil)
Direção: Laurent Tirard
Fotografia: Denis Rouden
Direção de Arte: Françoise Dupertuis

Para quem está precisando de uma história leve e gostosa de assistir, esse é o filme mais indicado da lista. Sem apresentar profundas reflexões filosóficas sobre a vida, “O Pequeno Nicolau” deve agradar quem gosta do humor dos filmes franceses. Baseado no personagem dos quadrinhos e livros com mesmo nome, o estilo da montagem mais acelerada lembra alguns momentos de “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, de Jean-Pierre Jeunet.

É importante ressaltar que a história é ambientada por volta dos anos 60, apresentando uma estrutura social diferente da atual.

A abertura do filme faz clara referência às publicações impressas da história. Outra clara influência é a cor de destaque da roupa do protagonista, sendo sempre a mais saturada e colorida em cena, geralmente vermelha.

O cenário e a fotografia parecem espelhar a relação do protagonista com o meio: a escola menos saturada e cinza, já a casa, onde ele encontra o acolhimento da mãe, com cores alegres, fortes e vibrantes.

O filme é bem colorido nas situações fora da escola, trabalhando tons pastéis. Repare nas relações cromáticas entre as pessoas/objetos em cena e o contraste com o fundo.

 

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Com Amor, Van Gogh / Loving Vincent (2017)

Animação (literalmente, uma obra de arte) / Drama (baseado na vida do pintor, mas não é uma biografia)
Direção: Dorota Kobiela, Hugh Welchman
Fotografia: Łukasz Żal
Direção de Arte: Daniela Faggio

Cada um dos 65.000 frames desse filme foi feito a partir de pinturas a tinta óleo, fazendo clara menção às obras de Vincent Van Gogh. Pronto, isso já é motivo suficiente para você assistir.

A história cria uma trama baseada na vida do pintor, fazendo conexões entre as pinturas, criando uma linha narrativa fictícia. De fato, o roteiro não é tão marcante como outros filmes da lista, então aproveite as cenas maravilhosas que vai ver na tela, pois dificilmente uma obra como essas se repetirá na história da humanidade.

Dica: confira os making of para entender a complexidade dessa produção.
https://youtu.be/QE9Q_7bfHsM

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_ CATEGORIAS: Suspense e Terror

O Grande Truque / The Prestige (2006)

Suspense (dos bons)
Direção: Christopher Nolan
Fotografia: Wally Pfister
Direção de Arte: Kevin Kavanaugh

Christopher Nolan é um dos maiores nomes do cinema atual e seus filmes são extremamente envolventes. “O Grande Truque”, como a premissa do filme já sugere, faz um jogo em sua montagem, fazendo menção a um truque de mágica. Por toda a narrativa, apresenta uma série de pistas sobre o que vai acontecer, mas sem entregar nada até a última cena.

A direção de arte é extremamente meticulosa na escolha de objetos que preenchem as cenas. Repare que a fotografia opta por cores pouco saturadas, como se sempre houvesse uma película colorida, puxando pro amarelado, azulado ou esverdeado de acordo com a narrativa da história.

E deixando escapar um spoiler que não atrapalha em nada o desenvolvimento da história e a solução dos mistérios, saiba que David Bowie interpreta Nikola Tesla.

 

Outros filmes de Christopher Nolan: Interstellar (2014) e Inception (2010).

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Corra! / Get Out! (2017)

Suspense / Terror (irônico e metafórico)
Direção: Jordan Peele
Fotografia: Toby Oliver
Direção de Arte: Rusty Smith

A história faz crítica à institucionalização do racismo, então é importante notar que cada detalhe que se vê na tela remete a isso (incluindo as piadinhas sem graça de tiozão tentando não parecer racista). Como se trata de um mistério muito envolvente e inteligente (e que não apela para aquela situação do celular perdendo sinal), qualquer informação a mais pode estragar a experiência de assistir o filme.

Por tratar a questão racial, a fotografia acentua os contrastes: o que é preto fica mais preto e o que é branco, fica mais branco. As outras cores são mais lavadas, pouco saturadas.

A narrativa cromática das cenas se traduz de forma interessante através da cor da roupa dos personagens. Repare nas cores do figurino quando tentam estabelecer alguma afinidade com o protagonista, Chris (Daniel Kaluuya), e como a cor se altera com o desenrolar da história, principalmente no caso da família de Rose (Allison Williams), namorada do Chris.

E, por favor, repare na cena em que Rose come cereais com leite.

Outros filmes de Jordan Peele: Nós / Us (2019).

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Ao Cair da Noite / It Comes at Night (2017)

Suspense / Terror (inteligente, num contexto pós-apocalíptico)
Direção: Trey Edward Shults
Fotografia: Drew Daniels
Direção de Arte: Naomi Munro

Para quem gosta de filmes de terror mais psicológicos e inteligentes, como “A Bruxa” (2015) de Robert Eggers, “Hereditário” (2018) e “Midsommar” (2019) ambos de Ari Aster, possivelmente vai gostar desse filme.

O mistério é fortalecido pelos lentos movimentos de câmera. Ora sincronizados com o silêncio necessário, ora com movimentos marcados pela percussão da trilha sonora.

A fotografia trabalha muito bem a escuridão, trabalhando a luz natural, muitas vezes entrando no ambiente por frestas. Em outros momentos, utiliza objetos de cena, como lamparinas, criando contrastes extremamente expressivos.

Invocação do Mal / The Conjuring (2013)

Terror (do tinhoso)
Direção: James Wan
Fotografia: John R. Leonetti
Direção de Arte: Geoffrey S. Grimsman

Para quem gosta do terror mais popular, com sustos e graficamente horripilante, provavelmente deve gostar da sequência de filmes da franquia. Quando o filme de terror começa com o letreiro “baseado em fatos reais”, já faz parte do público ou parar de assistir na hora ou então cativa ainda mais sua atenção.

A história é realmente assustadora. Além das cenas de jump scare (aqueles sustos com som alto), “Invocação do Mal” cria um suspense envolvente e, muito disso, é graças ao ótimo trabalho com a câmera. Repare que na mesma cena, a tomada pode tanto revelar como ocultar.

A fotografia é escura e com cores pouco saturadas, técnica de representação comum no terror (com exceção de alguns filmes, como “Midsommar”, de Ari Aster). Constantemente, a cena é iluminada por um ponto único de luz, criando certa angustia pela sensação de que, a qualquer momento, pode se apagar.

Repare que nas situações mais angustiantes, as cenas têm poucos cortes. A câmera que acompanha os personagens em plano sequência, dando a sensação do espectador acompanhar a história em tempo real, aumentando a imersão no filme. Sem dar spoiler, mas quando assistir, note esses pontos quando chegar a cena que está em destaque no artigo.

 

Outros filmes de James Wan: Jogos Mortais (2004), Annabelle (2014)

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REFERÊNCIAS EXTERNAS

Canal Lessons from the Screenplay
Arrival: https://www.youtube.com/watch?v=QTxvzkwVsQE

Canal Entre Planos
Get Out!: https://www.youtube.com/watch?v=KR3m2V5le_s
Moonlight: https://www.youtube.com/watch?v=Xoxn25CAryI

Canal Elegante
Eternal Sunshine of the Spotless Mind: https://www.youtube.com/watch?v=S2_pUlL4qHE
Get Out! https://www.youtube.com/watch?v=kKcLz2CgRtA

Canal Raphael PH Santos
Get Out!: https://www.youtube.com/watch?v=gim_l8B0RLE
Roma: https://www.youtube.com/watch?v=8qBtW1fiG4Q

Canal Super Oito
Get Out!: https://www.youtube.com/watch?v=A3xUeelVels
Roma: https://www.youtube.com/watch?v=3DdR4Xksvd4

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