Guilherme Bravin
9 de maio de 2020
Mães Arquitetas em Quarentena
Com o início da quarentena por conta da pandemia global causada pelo coronavírus, a rotina de todos mudou drasticamente. Para a maioria, o escritório passaria a ser em casa, então, se inicia uma organização e adaptação desse espaço físico.
Daí surge a questão: para as mães, as prioridades e necessidades são as mesmas? Como manter foco profissional sendo mãe, dona de casa, professora, recreadora, artesã, companheira de brincadeiras e tudo mais em tempo integral?
Nesse atípico dia das mães, o CURA convidou mães arquitetas para dar o seu depoimento sobre como tem sido o período em quarentena.
Acacia Furuya | Apiacás Arquitetos / Aimberê Construção
Instagram: @apiacasarquitetos / @aimbereconstrucao
Site: apiacasarquitetos.com.br / aimbereconstrucao.com.br
Acacia Furuya é arquiteta, sócia da Apiacás Arquitetos e da Aimberê Construção (e mãe da Rosa).
“Do ponto de vista profissional é muito caótico. Se antes da quarentena a rotina era intensa, agora é uma verdadeira maratona!
Apesar disso, ser mãe nessa quarentena é ter o privilégio de presenciar cada minuto do desenvolvimento dela. De ensinar coisas da vida, do dia a dia, das mais singelas às mais essenciais, e de se apaixonar cada dia mais!”.
“A rotina enclausurada é pesada, cheia de obrigações, trabalhos e tarefas domésticas. Porém, Rosa nos ensina a encarar com leveza. Tenho dito e brinco que é a nossa fonte de energia inesgotável, além de renovável.
Acho que é o momento de ensinarmos aos filhos o que não aprenderão na escola, de fortalecer ainda mais o vínculo com eles e de admitir que o trabalho profissional realizado em casa não vai render como antes.
Acredito que é ter consciência de que, embora os dias sejam bastante repetitivos, eles continuam passando rapidamente. Devemos nos perguntar qual lembrança gostaríamos de ter dessa fase”.
Carolina Leonelli | Oficina2mais
Instagram: @oficina2mais_paisagismo
Site: oficina2mais.arq.br
Carolina Leonelli é uma das arquitetas responsáveis pelo Oficina2mais Arquitetura e Planejamento da Paisagem. Graduada pela FAUUSP (2007) e Mestre em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo pela mesma instituição (2011). Carolina é mãe do João e do Tomás.
“Há muito tempo decidi que queria ser arquiteta. E lá no fundo sempre quis ser mãe. Com o tempo, fui me tornando arquiteta e há anos desenho jardins. Já não sabia se seria mãe, pois nem tudo se pode planejar nessa vida. Mas, há quatro anos, chegou João e, há 11 meses, chegou Tomás.
Hoje sou mãe desses dois meninos de olhos de jabuticaba. Há algumas semanas temos vivido dentro da nossa casa e só. Temos descoberto dores e delícias”.
“João não pede para sair de casa. Ele está imerso no mundo da casa, e assim, descobrimos mais sobre seu mundo e sobre sua companhia. Com João, tenho redescoberto as cores de tintas e gizes que comprei em viagens de férias e, no corre corre dos dias de trabalho, mal lembrava que existiam. Sim, da noite pro dia a casa virou escritório e passei a desenhar com o que existia no fundo das gavetas. Novidades de cores e tintas que chamam a atenção do pequeno por algum tempo enquanto trabalhamos. E como é livre o desenho das crianças! Sempre me pego surpresa com as cores que João escolhe e mistura sem qualquer preconceito. Camadas e camadas e as coisas vão surgindo, surgindo.
Estamos vivendo dias intensos, experimentando novos sentimentos e desejando que a vida siga em paz. Que o mundo se reinvente mais humano para todos. Que as mães possam ter mais tempo com seus filhos, possam vê-los crescer, crescer”.
Clara Reynaldo | CR2 Arquitetura
Instagram: @cr2arquitetura
Site: cr2arquitetura.com.br
Clara Reynaldo é arquiteta e urbanista formada pela Universidade Federal de Pernambuco e mestre pela FAU USP. Sócia fundadora do CR2 Arquitetura, acumula experiência com projetos de diferentes escalas.
“Lia me fez mãe e, por mais clichê que seja, é meu melhor projeto. O mais duradouro, o que eu mais me empenho. Mas eu não seria completa me dedicando apenas a este projeto. Assim como não seria completa fazendo apenas um tipo de arquitetura. A diversidade faz parte da minha vida e me dividir em vários assuntos/projetos me deixa mais realizada.
Tendo em vista tudo isto, eu não teria decidido me tornar mãe sem um companheiro que se dedicasse à ela tanto quanto eu. Por isso não faz parte da minha realidade ser mãe em tempo integral”.
“Claro que a quarentena bagunçou tudo! O planejamento de ajuda, de escola, de atividades extracurriculares, de equilíbrio mental (rs)… tudo ou quase tudo foi por água abaixo. Por isso que o diálogo e a divisão mais clara das tarefas é essencial pra conseguirmos dar conta de todos aqueles pratinhos que teimam em cair. Sem no entanto esperar que seja do jeito ideal, mas do possível!
Por outro lado tenho gostado de acompanhar mais a rotina semanal de Lia, incentivar o tédio, incentivar a brincadeira sozinha… Enfim, muitas dificuldades, muitas incertezas, muitos aprendizados e muita esperança que isso tudo passe logo!”.
Gabriela de Matos | Projeto Arquitetas Negras / IAB SP
Instagram: @arquitetasnegras
Gabriela de Matos é arquiteta urbanista, fundadora do Projeto Arquitetas Negras. Também responsável pela edição do livro Arquitetas Negras Vol. 1 e, atualmente, é vice presidente do IAB SP.
“Enquanto profissional autônoma, mãe de uma criança de 4 anos, me vejo hoje, tendo que novamente repensar minha atuação profissional. Que já teve que ser revista e adequada desde o momento em que me tornei mãe.
Neste momento de pandemia, criar uma dinâmica que dê conta das tarefas domésticas, dos cuidados com a criança e do nosso trabalho, parece um furacão de atividades sem fim. O cansaço físico e mental tomam conta do dia a dia.
Vale ressaltar que eu sempre cuidei da minha casa, fico meio período com a minha filha e a levo para escola no outro período, para poder trabalhar enquanto ela está lá. Nunca tive babá ou familiares que pudessem tomar conta da minha filha pra mim. Essa responsabilidade sempre foi minha e do meu companheiro. Ou seja, essas as atividades sempre existiram para mim.
Como elas se organizam nesse momento de quarentena, é o que eu ainda estou tentando descobrir. Já tentei vários métodos nesses 53 dias de isolamento social. O que eu posso observar aqui na prática, é que muitos fatores elevam em muito o grau de cansaço físico e mental neste período.
São eles: o fator saúde, o medo de um de nós(pais) adoecermos e nossa filha ficar desamparada. O fator psicológico, as ansiedades, angustias e cansaços mentais que o isolamento social causam, e que cada um sente e expressa de forma única. Principalmente uma criança, que não entende muito o que está acontecendo, mas se sente mal porque está privada de sair, encontrar os coleguinhas da escola e etc”.
“E o fator financeiro, que talvez seja o mais alarmante. Porque muitas de nós mães, somos ’empurradas’ para o trabalho autônomo, para termos o mínimo de presença na criação dos nossos filhos. Isso faz com que, em momentos como esse, estejamos totalmente desassistidas de formas estáveis e seguras de remuneração.
Ainda assim, tenho plena consciência de ser muito privilegiada por ter uma casa para morar, por meus familiares estarem seguros e saudáveis e por ter a quem recorrer em momentos de crise como esse, o que não é a realidade de muitas mães, principalmente das mães negras como eu.
Pensem que, as mães não estão tendo tempo de colocar a leitura, as séries e o trabalho em dia. E muitas delas, ainda estão muito preocupadas porque estão colocando a vida delas e de seus filhos em risco porque não podem fazer quarentena. É o caso das caixas de supermercado, das empregadas domésticas, das enfermeiras, das médicas.
Se pudermos tirar qualquer coisa positiva desse período, acredito que seja a reflexão de como temos, e como podemos, colaborar com as mães que nos rodeiam. As nossas mães, as nossas colegas de trabalho que são mães, as nossas companheiras, as nossas amigas que são mãe, principalmente as que são mães solo. Pensem que uma grande ferramenta de modificação da nossa sociedade, é a criação do indivíduo, e esse grande papel é atribuído à maternidade”.
Maria João Figueiredo | MMBB
Instagram: @mmbb_arquitetos
Site: mmbb.com.br
Maria João Figueiredo é formanda pela FAU USP em 2009, pós-graduação em Geografia, Cidade e arquitetura em 2019 na Escola da Cidade. Colaboradora do MMBB desde 2009 e sócia desde 2013. Mãe do Chico (6 anos) e da Catarina (4 anos).
“Por sorte, a gente está com bastante trabalho no MMBB. Isso é muito bom por um lado, por todo o mundo, mas, por outro lado, também é bastante difícil compatibilizar (usando um termo arquitetônico) todas as funções.
As crianças e, junto delas a escola, os trabalhos, os projetos, as reuniões, as entregas, os prazos e todas as tarefas domésticas que estamos compartilhando entre todos aqui em casa. Os meus filhos são relativamente pequenos: a Catarina tem 4 anos e o Francisco tem 6. Eles ajudam dentro do possível, mas pela idade, não rola uma super cooperação, eles demandam bastante atenção. Temos que acompanha-los em todas as tarefas, mas vamos levando.
“Eu comparo o que estou passando aqui como uma montanha russa. É impressionante como cada dia é um dia. Cada dia meu sentimento é diferente um do outro. Tem dia que achamos que está tudo bem, que vai dar tudo certo, que as crianças estão bem. São os dias que estamos conseguindo trabalhar e que, ao mesmo tempo, conseguindo dar atenção para eles; eles ficam mais tranquilos e a gente também. Tem outro dia que bate um desespero porque nada funciona: o almoço atrasa, a roupa acumula, a sujeira da casa é grande e que a bagunça está enorme.
Tenho a especificidade de ter um filho que ficou doente durante essa quarentena já duas vezes. Nada sério, é uma coisa que já acontecia antes, mas que, nesse momento, tem um peso muito maior. Cada vez que ele fica doente, é como se fosse a tal da montanha russa, lá no topo, de ponta cabeça dentro do looping. Bate um desespero geral e tudo se desestabiliza. Mas então ele melhora e fica tudo bem de novo”.
“Nós ficamos otimistas pensando que tudo vai dar certo e a pandemia vai passar, e que ficaremos o tempo que precisar ficar bem, e que está tudo bem. E, de repente, no dia seguinte já fica difícil de novo. Muito mais pessimismo, achando que tudo vai muito mal, e é claro que vai mal. Por fim, o pessimismo domina, mas fora isso, estar com as crianças em tempo integral tem um lado bom também.
A parte da escola, apesar de demandar tempo, é muito gostosa. Estou curtindo pra caramba, é muito legal. O Francisco, mais avançado obviamente, mais alfabetizado; já Catarina, está super interessada em letras. Essa parte de fazer as lições é a parte mais gostosa. Entre uma reunião e outra, entre um trabalho e outro, entre uma lavada de louça e outra, tentamos fazer outras coisas diferentes, como a geodésica que fizemos com eles e tantas outras brincadeiras.
O trabalho vai caminhando com prazos muito menores, mas o tempo de dedicação ao trabalho é menor. Temos conversado para que todos os clientes, os parceiros e a equipe entendam isso: que temos que diminuir o ritmo.
E eu torço para que esse viés da quarentena, que é a diminuição do ritmo, seja mais definitivo. Acho que seria muito bom para todo mundo.
Para mim, para minha casa, fazer tudo com mais calma, mais tranquilidade, com mais concentração. Fazer uma coisa por vez, não ficar mais fazendo mil coisas ao mesmo tempo. É claro sim, aqui fazemos mil coisas ao mesmo tempo, mas temos feito esse esforço de tentar fazer uma coisa por vez e, às vezes, também não fazer nada, que é algo que eu não fazia antes disso tudo”.
Mariana Schmidt | MNMA Studio
Instagram: @mnmaestudio
Site: mnma.com.br
Mariana Schmidt é sócia do MNMA Studio mãe da Ana. E gostaria que todos os brasileiros que faleceram pelo Covid-19 tenham nome, não sejam apenas números.
“Precisei voltar alguns passos para chegar no tempo presente porque cada memória minha relacionada à arquitetura foi balizada pelos anos que vi minha filha crescer. Ter sido mãe aos 23 anos foi a tangente para fora da curva programada da vida. Mas Ana, minha filha, é meu melhor projeto.
Foram horas roubadas, ao mesmo tempo, horas em que minha filha cresceu entre canetas nanquim, papel manteiga, casas de boneca em escala 1:100, prancheta, desenhos, faculdade, estágios. Às vezes, eu não tinha com quem deixá-la e a carregava comigo para as aulas de maquetaria ou me acompanhava ao meu estágio. Seguir desenhando foi um caminho longo. Parei algumas vezes o curso, voltei, trabalhei, montava lego com ela resolvendo alguma ideia de projeto, esquecia da consulta do dentista.
Aos 5 anos, ela já sabia a diferença entre pilar e coluna, contava os espelhos de uma escada, desenhava plantas da cidade para aulas de arte na escola primária, enquanto os amigos faziam esboços de cachorro e gato, a Ana levava prédios. Correu e gritou em todos os museus possíveis. Aos 7 anos, ficou melhor amiga do Daniel Arsham [1] na primeira exposição individual dele no Brasil”.
“Quando ela completou 8 anos, fundei o MNMA Studio, sem muitas certezas. Mas se tem uma coisa que ser mãe me ensinou: que só vivemos incertezas nessa imprevisibilidade chamada infância e com todas as suas descobertas minha filha me ensinou a me abrir para as possibilidades, arriscar, levar tombos, “assoprar”, levantar e correr de novo.
o MNMA fez 5 anos com alguns bons projetos e indicações a prêmios. No mesmo ano, a Ana chegou aos 12 e se tornou uma menina bacana; quer ir para passeata e entender sobre política. A Pinacoteca, seu lugar favorito, cedeu lugar à poltrona do ‘Rochinha’[2] na nossa sala porque no meio do caminho, da cidade, uma quarentena, uma doença, que fez Ana repensar seu próprio espaço para se colocar no lugar do outro.
Na mesa de jantar tem livros e projetos. Ela opina sobre por que estou fazendo um apartamento com quatro banheiros, sendo que existem pessoas morando em casas do tamanho da área desses mesmos banheiros.
Ela lê muitos mangás e sempre divaga sobre morar no Japão, justo para mim que não a imagino fora do quarto que fiz para ela, azul, que na verdade é cinza, mas que a gente vê azul porque a gente sempre quer ver o céu.
Ana opina sobre a fachada de um prédio que estamos fazendo, canta Caetano pela casa, tem cheiro de café. No emaranhado de telefonemas, reuniões online, pessoas vão virando números num Brasil de tantas Marias e Josés sem poder dizer adeus. Hora do jantar, não tem espaço na mesa, a tela “operários” da Tarsila do Amaral vai surgindo a cada peça, dia após dia, nesse quebra cabeça incerto de quando tudo isso chegará ao fim, ou melhor, um novo começo, parece que finalmente nosso tempo fica infinito e recuperamos as horas roubadas”.
[1] Daniel Arsham – artista de NY que mistura arte e arquitetura e tem um trabalho pautado sobre “ação do tempo”.
[2] poltrona do Rochinha: cadeira paulistano do Mestre Paulo Mendes da Rocha, apelidado carinhosamente de Rochinha ao longo dos anos.