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João Tegoni

11 de junho de 2025

IA como Linguagem: Conversa com o studiodoisdois sobre autoria, ética e processos criativos #43

Introdução

Na primeira parte desta série, exploramos as ferramentas e tendências de IA na renderização arquitetônica em 2025 — de plataformas como Midjourney e D5 Render até conceitos como automação de ambientes e renderização neural. Mas a tecnologia, por si só, não cria significado: ela precisa ser tensionada por um olhar autoral.

Para entender como isso acontece na prática, conversamos com Isabella Conz e Matías Kim, fundadores do @studiodoisdois. Arquitetos e artistas visuais, eles são referências na aplicação crítica e poética da IA na visualização para arquitetura. Nesta entrevista, falamos sobre formação, processos criativos, ética e como manter uma linguagem singular em meio à avalanche de imagens geradas por algoritmos.

Se você ainda não leu a nossa primeira parte, vale a pena conferir aqui para entender as ferramentas que fundamentam essa conversa:

Bloco 1 — Formação e Começo do studio

1. Vocês tiveram um desenvolvimento muito rápido de 2022 para cá e hoje são referência em visualização arquitetônica com IA. O que da formação de vocês no CURA permanece como fundamento no trabalho do @studiodoisdois?

O Matías teve uma formação mais direta com o CURA, e foi a partir dessa experiência que parte da linguagem que desenvolvemos no studio começou a tomar forma. Acreditamos em uma visão expandida da imagem, não apenas como representação técnica, mas como meio expressivo, capaz de comunicar atmosferas, intenções e narrativas. O CURA foi importante para fortalecermos essa ideia, de que a visualização pode ir além da precisão e do realismo absoluto, abrindo espaço para a sensibilidade e para construção de uma linguagem própria.

2. No início, o uso de IA na arquitetura era visto com desconfiança. Quando e como vocês perceberam que aquilo que estavam explorando poderia virar uma área real, com portfólio e impacto concreto?

Começamos a experimentar IA por curiosidade, investigando o potencial expressivo dessa nova ferramenta. Os resultados iniciais geravam mais ruído do que clareza, mas havia ali algo instigante, algo que nos fazia continuar investigando. Quando conseguimos direcionar a tecnologia para servir a nossa linguagem estética (isso após debruçarmos em tentativas e erros, refinamentos de prompts, etc.), percebemos que havia ali uma nova forma de operar, e, principalmente, possibilidades latentes para um futuro.

3. A formação tradicional em arquitetura prepara para lidar com essas novas ferramentas? Ou vocês sentiram que tiveram que "desaprender" certos preconceitos para trabalhar com IA?

A formação tradicional em arquitetura nos preparou com uma base em fundamentos essenciais, como rigor projetual, pensamento espacial, senso crítico… elementos que são muito valiosos para uma bagagem que possibilita perspectivas. A nossa abordagem, incluindo ou não a IA, nos fez desconstruir alguns desses pensamentos pré-estabelecidos da nossa formação. Talvez, o maior preconceito que tivemos que superar, foi a ideia de controle total sobre o processo criativo. A IA introduz ruídos, acasos e desvios que, em vez de serem corrigidos, podem ser absorvidos como matéria criativa. Isso exige desaprender certos reflexos da formação tradicional, principalmente o de tentar dominar cada variável. Nossa base artística nos preparou para isso, entendendo que um "erro" pode revelar algo novo que pode fazer sentido se estivermos abertos ao diálogo com o processo.

Bloco 2 — Prática e Produção

4. Podem contar um exemplo de projeto em que a IA foi decisiva no processo visual? Como a tecnologia se comportou como aliada — ou mesmo como desafio — nesse contexto?

Estamos em um momento de transição de linguagem, com foco crescente na produção artística do studio, além da representação arquitetônica. Isso tem nos levado a colaborar em projetos que vão além da imagem: envolvem também direção criativa e visão conceitual. À medida que a IA passou a integrar nosso fluxo, começamos a explorá-la especialmente nas etapas iniciais de conceituação. Em um projeto recente, por exemplo, utilizamos IA para desenvolver estudos gráficos que nos ajudaram a visualizar direções espaciais, atmosferas e materiais. A partir dessas imagens, o caminho para o 3D tornou-se mais claro, já que nos ajudou a revelar possibilidades latentes. Nesse mesmo projeto, produzimos uma animação baseada em um movimento simples: o abrir e fechar de cortinas. Com apenas duas imagens base, conseguimos criar uma sequência de quase 15 segundos com fluidez e precisão. Já havíamos testado soluções semelhantes na Unreal, mas os resultados foram menos satisfatórios e significativamente mais custosos em termos de tempo. A IA, nesse caso, foi aliada em dois pontos essenciais: em impulsionar a definição da linguagem visual do projeto e a viabilização técnica de uma animação com forte carga atmosférica, mas complexidade reduzida.

5. Quais ferramentas hoje são indispensáveis no dia a dia do estúdio? Existe um fluxo fixo ou vocês continuam em constante experimentação?

Não seguimos um fluxo totalmente fixo, e isso é fundamental dentro da nossa abordagem. Evitamos a padronização porque cada projeto exige um processo distinto. Trabalhamos tanto com imagens que buscam impacto expressivo quanto com direções criativas mais conceituais, e, embora essas frentes se relacionem, elas pedem ritmos e caminhos diferentes. Mas, mesmo dentro de um mesmo tipo de entrega, como imagens para arquitetura, o processo pode variar. Seguimos uma estrutura, mas nos damos liberdade para adaptar, inverter etapas ou criar desvios quando sentimos que isso favorece o resultado final. Com IA, no dia a dia, usamos ferramentas como Midjourney e Runway para explorar conceitos e desenvolver narrativas visuais. Elas operam em paralelo ao nosso workflow tradicional de 3d — com 3dsMax, Corona e Photoshop. Além de ferramentas como Magnific e workflows no ComfyUI, que nos auxiliam no refinamento da pós-produção. Mas, mais do que as ferramentas em si, o que nos guia é a escuta do processo. Estamos sempre investigando como a IA pode entrar e sair no momento certo. Isso reforça nossa ideia de que criar é explorar.

Bloco 3 — Ética e Autenticidade

6. O uso de IA levanta questões sobre autoria e originalidade. Como vocês lidam com isso no dia a dia? O que torna um render verdadeiramente "autoral" hoje?

A autoria, para nós, está no olhar, e não na ferramenta. Trabalhar com IA não elimina o papel do artista, apenas o desloca. O visual autoral é aquele que carrega uma intenção sensível, uma curadoria estética, uma visão sobre o que é ou não essencial na imagem para do autor. A máquina executa, mas quem escolhe, insiste, refina e dá sentido, somos nós. Nosso trabalho é fazer com que a imagem reflita mais o nosso mundo interno do que o dataset de um algoritmo.

7. Há um risco real de homogeneização — todos usando as mesmas ferramentas, os mesmos prompts, os mesmos estilos. Como manter a singularidade visual em meio à avalanche de imagens "bem feitas"?

Singularidade não se garante por ferramenta, mas por intenção criativa e bagagem própria. A IA, se usada de forma superficial, de fato leva à repetição. Mas, se usada com intenção, pode ser um meio de amplificar o inusitado. O segredo está na fricção, combinando IA com referências próprias, repertório, histórias, erros, acertos… Nossa forma de evitar a homogeneização é justamente nos afastarmos da ideia de “render perfeito” e priorizar o que aos nossos olhos têm narrativa, conceito e expressão.

Bloco 4 — Contextos Futuros e Tendências de Mercado

8. Quem está entrando agora na arquitetura ou na visualização precisa de que tipo de formação para lidar com esse novo cenário? A base é mais técnica, conceitual ou uma combinação das duas?

Técnica sem sensibilidade vira ferramenta, e conceito sem base técnica não se sustenta. A formação ideal hoje precisa combinar domínio técnico com repertório visual, capacidade de leitura simbólica e sensibilidade artística. Mais importante do que saber usar com IA, é desenvolver discernimento para entender quando ela fortalece ou enfraquece o seu processo.

Percebemos que a IA está cada vez mais resolvendo questões de "como fazer?" e deslocando a pergunta para "o que fazer?". E isso muda tudo. Nesse novo cenário, o diferencial não está mais na execução, mas na intenção. Por isso, quem está começando, seja na arquitetura, na visualização ou qualquer campo criativo, precisa, antes de tudo, saber o que deseja produzir e o que deseja comunicar.

9. Por fim: o que vocês diriam a quem está começando a explorar a IA na arquitetura hoje? Qual o primeiro passo — e qual o erro mais comum a evitar?

O primeiro passo é experimentar. Sugerimos escolher um projeto autoral e criar sem a pretensão de acertar, apenas para entender como a IA responde às suas intenções. Como propõe Rick Rubin em O ato criativo, precisamos nos libertar da ideia de 'certo' e 'errado', o valor está no processo, não na fórmula. Não espere que ela resolva tudo sozinha. A IA não é mágica, nem está pronta. É uma tecnologia em constante transformação, que apenas amplifica o que você projeta nela. Se você não sabe o que quer, ela te devolve o que todo mundo já viu. IA boa é IA tensionada e conduzida por um olhar crítico, sensível e humano.

Conclusão

A conversa com o @studiodoisdois revela que a IA, quando usada com consciência, é mais do que uma ferramenta — é uma linguagem em construção. Autoria, nesse contexto, não é o domínio total do processo, mas a capacidade de transformar ruído em expressão, erro em poesia, automatização em escolha estética.

Mais do que saber usar a IA, o desafio está em saber o que fazer com ela. O diferencial está no olhar: na capacidade de dar sentido às imagens e tensionar o processo criativo com criatividade e sensibilidade.

Quer saber mais sobre as ferramentas e tendências que estão moldando a visualização arquitetônica em 2025? Leia a Parte 1 desta série aqui.

Prepare-se para experimentar — e lembre-se: a tecnologia é só um meio. Quem dá a última palavra é você.

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